O Governo Lula merece parabéns pela maneira profissional e pragmática com que conduziu a crise diplomática com os Estados Unidos até aqui. O trunfo em abrir diálogo onde parecia impossível precisa ser elogiado em uma época em que se valorizam as performances explosivas e midiáticas e a busca da superioridade moral ao invés de ganhos reais. Não deixa de ser surpreendente esse feito em um governo cuja diplomacia tem demasiados excessos ideológicos, como criticou o advogado Fernando Tibúrcio em
recente artigo em O Estado de S. Paulo.
Com frieza, pragmatismo, discrição e convergência de esforços, somados à capacidade histórica de trabalho e negociação do Itamaraty, o Brasil soube fazer chegar as informações e os argumentos necessários a Trump para criar uma janela de oportunidade política e ainda expor ao ridículo e ao absurdo os atabalhoados — mas nem por isso menos criminosos — esforços de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo.
É uma grande lição — e razão para cauteloso otimismo — que, em tempos de valorização da antipolítica, a boa e velha política e o refinado traquejo diplomático tenham logrado essa vitória parcial — mais ainda porque foi um triunfo em duas frentes: contra a antipolítica covarde dos Bolsonaro, que desabou em seus esforços contra o Brasil, e contra a antipolítica caótica e ruidosa do trumpismo, que cedeu lugar ao pragmatismo comercial.
É claro que ideologia e política são inseparáveis, mas a engenharia democrática tem como objetivo exatamente evitar os efeitos destrutivos dos excessos ideológicos — mais que isso, constitui-se em um espaço onde a energia dos embates ideológicos pode ser canalizada para a construção, e não para a destruição. Por isso, sua ênfase reside nos meios, nas instituições, formais e informais, no respeito aos ritos e na manutenção das aparências para assegurar a previsibilidade necessária ao espaço público e ao diálogo. O problema portanto não está na ideologia, mas no fato de que ela tenha, em larga medida, assumido o protagonismo na esfera pública, adquirindo precedência sobre a negociação política amparada pelas instituições da democracia.
No judiciário, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e outros encarnaram a face da antipolítica travestida em rigor justiceiro. Desrespeitando o devido processo legal de todas as maneiras possíveis, deram a um país cansado do espetáculo da corrupção, um arremedo de vingança contra a classe política que quase feriu de morte a democracia brasileira. Em sua esteira, veio a antipolítica miliciana da família Bolsonaro, que dispensou toda preocupação com as aparências e converteu o necessário teatro da política em circo populista.
Após a abertura do diálogo com os EUA, os resultados das pesquisas de opinião mais recentes mostram melhoria na avaliação do governo e do presidente, inclusive entre os mais ricos, majoritária reprovação ao comportamento de Eduardo Bolsonaro e também rejeição a qualquer ideia de anistia. O país talvez esteja cansado da antipolítica personificada pelo clã e desejoso de maior normalidade democrática.
Também a despeito do discurso ruidoso das lideranças da extrema-direita, são visíveis os sinais do desejo, na própria direita, de livrar-se do peso e do autocentramento de Jair e viabilizar um candidato minimamente previsível e em quem se possa confiar.
Talvez essa sequência de eventos não signifique mais que uma trégua. Mas, em um tempo em que a política vinha sendo tratada como sinônimo de corrupção, ineficiência ou engano, vê-la cumprir seu papel — com método, cálculo e resultados — já é, por si só, uma vitória. A política riu por último, ainda que discretamente, e o riso, desta vez, soa como o de quem sabe que só o trabalho paciente das instituições pode sustentar um país que queira permanecer de pé.