O pianista goiano Diego Caetano começou a estudar piano aos 11 anos, em sua cidade natal - Anápolis. Em Goiânia, estudou na Escola Lilian Centro de Música e fez sua Graduação na Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Depois, nos Estados Unidos, cursou Mestrado e Doutorado. E, atualmente, integra o corpo docente da Sam Houston State University.
Em 10/02/2021, Diego Caetano me concedeu uma entrevista, via aplicativo
Zoom. A primeira parte desse bate-papo, focando sua trajetória enquanto aluno, foi registrado na Coluna intitulada “
Entrevista com o pianista goiano Diego Caetano”.
Já na segunda parte dessa conversa, apresentada logo abaixo, o jovem Diego Caetano falou sobre a sua fecunda carreira profissional.
Diego Caetano (n. 1989)
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel Alcântara: Em uma das respostas constantes da primeira parte desta entrevista, você afirmou que começou a realizar suas primeiras turnês, na qualidade de solista, durante o seu doutoramento. Pergunta: Como funciona esse tipo de atividade?
Diego: Primeiramente, tem a ver com as competições. Por exemplo, atualmente, eu tenho 53 prêmios de primeiro lugar em concursos no mundo todo: na Europa, na Ásia etc. Então, naturalmente, você fica conhecendo muita gente. Foi nesse contexto que eu comecei a desenvolver o meu Brand, por assim dizer! Em certo momento, passei a enviar meu portfólio, acrescido de propostas para as comissões organizadoras de diversos festivais. Agora, uma coisa: tendo um primeiro concerto na Europa, fica mais fácil ter outros dez. A partir de então, anualmente, retornava à Europa.
Desde essa época, eu comecei a ir para a Rússia todo ano, com o intuito de ter aulas com aquela professora que era pra eu ter ido antes [assunto abordado na primeira parte desta entrevista]. Enfim, a vida me conduziu novamente para a Rússia.
Em 2019, Diego Caetano realizou um concerto na Sala Rimsky Korsakov do
Conservatório de São Petersburgo
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: A professora Nadezhda Eismont?
Diego: Sim, Nadezhda Eismont. Esta é uma professora que sempre que estou na Europa, eu a visito, no Conservatório de São Petersburgo. É uma musicista extremamente talentosa, não apenas na questão de pianista. Ela me ensinou a pensar como “orquestra”. Era pianista assistente do maestro Ilya Musin [1904-1999], um dos grandes pedagogos da regência russa. Ela passava os conhecimentos obtidos com ele para os alunos dela. Acho que desenvolvi o amor pela música de câmara nessa época.
Nadezhda Eismont e sua filha Polina Eismont
Após um concerto de Diego Caetano no Conservatório São Petersburgo (2019)
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Rússia, 2018.
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: E a carreira como professor?
Diego: Depois do Doutorado, lógico, eu queria uma posição acadêmica: ser professor universitário. O meu primeiro trabalho foi na Casper College, no Wyoming. É uma universidade bem pequena, com aproximadamente trinta alunos de música.
Othaniel: Isso ocorreu por meio de convite?
Diego: Aqui funciona assim: eles colocam um anúncio na mídia. Então, você envia toda a documentação (gravação, carta de apresentação etc.). Os escolhidos nesta primeira fase são chamados para uma entrevista online. No final, eles escolhem uns três para ir ao campus, quando terão que fazer um recital, dar uma masterclass e uma aula pública. Além disso, você conversa com os professores sobre seus projetos etc.
Esse foi o processo que eu enfrentei nas minhas três posições. Eu comecei na Casper College. Fiquei lá nove meses. Mas, eram nove meses de neve, com quarenta graus negativos. Pensei bem e cheguei à seguinte conclusão: isso não é vida! Depois, fui para o Amarillo College, no Texas. Embora maior que a Casper, trata-se, também, de uma universidade pequena. Lá tinha apenas cursos em nível de graduação. Fiquei lá quatro anos. Finalmente, no ano passado, eu passei a trabalhar em Houston, na Sam Houston State University. É uma instituição enorme! Oferece Mestrado, Doutorado etc. Tem mais de trinta mil alunos.
Othaniel: Em 2010, você se mudou para os Estados Unidos para fazer Mestrado e Doutorado e por lá ficou. Me fala um pouco sobre a sua relação, desde então, com o Brasil?
Diego: Hoje, eu sou americano. Mas, sempre volto ao Brasil, pelo menos uma vez ao ano. Em alguns anos, duas ou três vezes, mas sempre para concertos. Eu, até hoje, não consegui planejar minhas férias no Brasil. No ano passado, em dezembro, iria ser a primeira vez. Eu havia preparado tudo, ainda em janeiro. Aí chegou o mês de março e fechou tudo [devido à pandemia de Covid 19].
Sala Cecília Meireles (RJ), maestro Guilherme Bernstein
Repertório: Concerto nº1 de Tchaikovsky
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Como solista convidado, você já teve a oportunidade de tocar sob a direção de inúmeros e importantes maestros brasileiros e estrangeiros. Sei que cada um tem suas características etc. Musicalmente falando, com qual(is) dele(s) você se identificou mais?
Diego: Olha, no ano passado, no mês de janeiro, eu tive a oportunidade de tocar o Quarto Concerto de Beethoven com o maestro Michael Palmer. Essa ocasião ficou muito gravada na minha memória, sabe por quê? Lá no ano 2000, quando estava começando o Youtube, a primeira gravação que eu ouvi desse Concerto nº4, foi com o Claudio Arrau [1903-1991] tocando com o Michael Palmer (n. 1945). Quando é que eu ia saber que ia tocar com o mesmo maestro? Essa noite marcou demais!
É claro que cada maestro te ensina alguma coisa, mas esse concerto foi muito especial. Mas foi uma das peças que eles gravaram juntos. Eles gravaram todos os cinco concertos de Beethoven [para Piano] para a Deutsche Grammophon ou Decca, não me lembro. E eu, Diego Caetano de Anápolis... [Risos].
Tocando sob a regência do Maestro Michael Palmer
Texas, 2020.
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Você já solou com as orquestras profissionais de Goiânia, não é mesmo?
Diego: Sim. Já toquei com a Filarmônica [estadual], com a Sinfônica [municipal] e com a Orquestra Jovem [estadual]. Com os maestros: Eliel Ferreira, Joaquim Jayme e Neil Thomson.
Othaniel: Qual o repertório interpretado por você em Goiânia?
Diego: Eu toquei o Concerto de Tchaikovsky, o Concerto de Chopin e também o “Imperador” de Beethoven. Depois, o Neil Thomson me propôs um concerto louco: tocar o Concerto de Luigi Nono [1924-1990]. Foi uma experiência única! Eu tinha que tocar com um cronômetro e ele também. Daí eu pensei: “O povo vai sair no meio da peça.” Era trinta minutos de concerto. Mas, ninguém deu um “piu”. Aquela coisa louquíssima, com fita magnética e piano (...) e, no meio da peça, um interlúdio feito por uma soprano. De repente, ela começa a gritar: Luciano (...). A obra é contextualizada na época do Golpe no Chile, do Pinochet (...). Eu não havia tido essa experiência em lugar nenhum! O Neil Thomson entrou em contato comigo e perguntou se eu topava. Na hora, eu disse que topava.
Diego Caetano e Orquestra Sinfônica de Goiânia
Repertório: Concerto "Imperador" de Beethoven
Regência: Eliel Ferreira - Dezembro de 2019
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Qual a sua impressão acerca do nível das orquestras profissionais de Goiânia?
Diego: Olha, você vai ficar surpreso! Mas, as piores orquestras com as quais eu já toquei na vida, foi na Europa. Tirando algumas orquestras da Alemanha e aquelas grandes, Viena, Royal Concertgebouw [Amsterdam] etc., o restante da Europa não está grande coisa não. Agora, as melhores orquestras estão aqui nos Estados Unidos! Eles têm muito dinheiro e investem (...). A Orquestra de Cleveland, se for julgar, está no mesmo nível das filarmônicas de Berlim e de Viena; não perde nada não. É lógico que são culturas distintas, que têm jeitos diferentes de interpretar etc.
Othaniel: Você tem um tipo de repertório preferido?
Diego: Eu tento não me limitar, mas o que o povo gosta que eu interprete são os grandes românticos, coisas assim (...). Como disse, eu tento não me limitar, pois gosto muito de Mozart, de Haydn, de Bach (...). O que vão pedindo, eu vou fazendo! [Risos].
Othaniel: Qual a importância da Música de Câmara na sua carreira? E, na sua opinião, qual ou quais as diferenças entre as atividades de solista e de camerista?
Diego: Eu não vejo diferença nenhuma. Tudo é música! Acho a música de câmara primordial. Para todos os meus alunos, a primeira coisa que eu passo é uma peça camerística.
Na maioria das vezes, quando estamos tocando, a gente não se ouve. Penso que, para tocar solo, você precisa, antes de mais nada, ser um ótimo camerista. Você precisa ouvir tudo o que está acontecendo. Da mesma forma, para tocar com orquestra, você tem que ser um excelente camerista. Eu não vejo diferença. Ora, eles estão fazendo a música juntos (...).
Faz parte daquela coisa fundamental da relação humana, que é a comunicação. Tem que haver uma comunicação, diálogo, troca de ideias. De repente, um colega diz algo sobre a peça, coisa que você nem estava pensando.
Por exemplo, o povo me pergunta: “Ah, com quem que você estuda? ” Eu digo: “Eu estudo com os meus colegas, porque quando eu vou tocar com eles, eu aprendo muito (...)”. É melhor do que tocar para qualquer professor de piano. É lógico que ainda toco em aulas e masterclasses para pianistas como a Maria João Pires [Portuguesa, n. 1944], para o Emanuel Ax [Ucraniano, n. 1949] etc.
Eu tenho um duo fixo com o violinista russo Evgeny Zvonnikov, o Duo Lispector. Estamos tocando juntos há quatro anos. Nesse período, fizemos cinquenta sonatas (...). Teve até uma Sonata que foi escrita pra gente fazer a premiere.
Duo: Diego Caetano e Evgeny Zvonnikov
Concerto em Baja California no Mexico, 2020 (antes da pandemia).
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
No mais, eu acho muito importante passar essa ideia para meus alunos. Aconselho-os a ouvir masterclasses de outros instrumentos, que não seja de piano. Eu aprendi muita coisa sobre música, ouvindo masterclass de tuba, por exemplo. Isso porque eles têm os mesmos problemas musicais que todo mundo tem. Mas, o jeito que eles vão pensar, muitas vezes, é bem diferente do pianista. Ou seja, algumas coisas que eles fazem nos ajudam e vice-versa. Sei lá, eu dei o exemplo da tuba, mas pode ser flauta, violino, pode ser berimbau [risos].
Othaniel: Além dos professores, obviamente, você deve ter um nome de uma “lenda do piano”, ou mesmo de outro instrumento, que tenha tido influência na sua formação, na sua personalidade musical. É possível falar um pouco sobre isso?
Diego: Eu gosto muito da Martha Argerich [Argentina, n. 1941]. Vou até te contar um episódio: Em 2017, eu venci um concurso em Londres. Então, eu fui tocar, em Londres, no Royal Albert Hall. E, no mesmo dia, a Martha Argerich iria tocar no Wigmore Hall. Lembro-me que fiquei muito triste por não ter a oportunidade de ouvi-la naquele recital. Até procurei saber se ela ia tocar de novo, por aqueles dias, em Londres, mas ela não ia tocar.
No dia do meu concerto, coincidentemente, uma colega pianista postou no facebook, algo sobre um concerto beneficente da Martha, em Bruxelas, acho que dois dias após a data do meu recital. Eu tive a sorte de visualizar esta postagem e, na mesma hora, eu comprei o meu ingresso, na primeira fila. Aí pensei: “Estou em Londres, mas preciso arrumar um jeito de ir a Bruxelas.” Fui de ônibus, de Londres até Paris, depois de Paris até Bruxelas, e consegui ir ao concerto. Foi uma coisa de louco, sabe? Um acontecimento na minha vida!
Durante a apresentação da Martha Argerich, pude perceber que a pessoa que estava trabalhando no evento, como manager de palco (carregando estante, partituras etc.), era o Pablo Rossi, um pianista brasileiro. Esperei até o final do concerto e falei com ele sobre a minha vontade de pegar um autógrafo da Martha. Então, ele respondeu: “Vem aqui! Todo mundo está esperando aqui, mas ela vai sair do outro lado”. Então, ele me levou até o camarim dela. Como tinha algumas pessoas ali, eu fiquei esperando.
Num determinado momento, a Martha Argerich, segurando uma taça de champanhe, começou a olhar para todos os presentes na sala. E, de repente, ela apontou o dedo pra mim e falou em português: “Vem aqui! Vamos conversar! ”. Repito: “Ela falou em português! ” Como é que ela sabia? Eu não sei!
Conversamos por uns 20 minutos. Nesse tempo, ela perguntou o que eu estava tocando, onde eu morava etc. Ao final da conversa, ela me perguntou: “O que é que você quer que eu faça? Você quer um autógrafo? ”. Então, percebi que eu não tinha uma caneta e comentei: “Gostaria muito, mas não tenho caneta! ”. Ela respondeu: “Ah, eu também não tenho! Então, vamos tirar uma selfie. ” Assim, tirei uma selfie com a Martha Argerich [risos]. E ela, falando em português! Depois que ela falou comigo, ela subiu (...).
Othaniel: Mas, também, quantos anos de convivência ela tem com o Nelson Freire, né?
Diego: Sim. Mas, como ela sabia que eu era do Brasil, ou que falava português? Sei que o Pablo Rossi não falou nada com ela, pois ele me deixou lá no camarim e saiu. E, mais, sabe o que ela me deu? O endereço dela em Bruxelas e disse: “Vai lá em casa, tocar a quatro mãos comigo”. Você acha que eu fui, né? Eu ia chegar lá, olhar o piano e falar: “O que é isso na minha frente?” Eu não ia saber de nada, né?
Othaniel: Naquela época, você já estava fazendo sua carreira internacional. Talvez ela tenha visto algo sobre você: sua foto em algum cartaz, banner ou jornal; algum vídeo seu na internet...
Diego: Não sei. Só sei que, na hora, ela olhou e me apontou!
Martha Argerich e Diego Caetano
(2017, arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Na sua carreira de concertista, você já passou por alguma contrariedade ou frustração?
Diego: Lógico! A gente passa por muitos perrengues, né? Mas eu nunca me deixei abater nos momentos ruins. Primeiro, nesse cenário, existe a necessidade de se provar que você pode ser um músico, e isso já é uma coisa dificílima! Ora, quantos talentos não param porque não têm consciência do que essa pessoa é, do que ela pode ser, das limitações ou das não limitações.
Othaniel: Alguma vez você chegou a pensar em desistir? Pergunto, principalmente, por ser a vida de músico concertista, como você, um tanto sacrificada no que diz respeito à dedicação aos estudos etc.
Diego: Sim. Tive momentos na minha vida em que eu me perguntei: “Por qual motivo estou fazendo isso? ” Eu, assim, olhava a minha conta bancária e estava menos quatrocentos dólares. Você olha os amigos na piscina, e você, no piano, estudando...
Eu tive muita sorte de ter um ambiente com pessoas que puderam me apoiar psicologicamente, mais do que tudo. As “coisas” nunca caíram de mão beijada pra mim. Sempre tive que ir atrás dos meus objetivos. Até hoje! Claro que penso comigo mesmo: “O que você fez já foi legal. ” Por exemplo, eu tenho um “festival” na Espanha, o Ávila International Musical Festival. Quem é que tem um festival na Espanha, né? Eu coordeno esse festival, eu, um pé rapado de Anápolis. Hoje, eu ensino em uma das maiores faculdades dos Estados Unidos. Essas coisas, assim... A gente tem que saber onde a gente está, de onde a gente veio e aonde a gente quer ir.
Ávila International Musical Festival - Edição de 2019
Festival dirigido por Diego Caetano
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Voltando a falar sobre as turnês, você acha complicado esse lado não artístico? Batalhar por um palco, contatos, contratos, organizar as viagens, etc.? Enfim, você tem um agente ou é você quem faz esse trabalho?
Diego: Eu já tive alguns agentes. Mas não deu certo, pois eu fazia muito melhor do que eles.
Othaniel: Mas não atrapalha a preparação da parte musical, fazer tudo sozinho?
Diego: Penso que esse aspecto deveria ser abordado na Educação Musical. Eu mesmo criei uma matéria chamada “Business de Música”. Na minha opinião, são coisas que o músico tem que saber...
Othaniel: Me desculpe interromper, mas, além do fator “tempo”, esta outra atividade não interfere na parte mental, durante os estudos?
Diego: Isso tudo ajuda, porque ninguém vai bater na sua sala e perguntar: você quer tocar no Carnegie Hall, amanhã? Não vai acontecer! Existe todo um processo para se chegar lá, né? E, como eu disse, isso é uma coisa que não é ensinada nas escolas de música, mas deveria ser. De uma forma ou de outra, é você quem administra a sua carreira. Eu sempre digo para os meus alunos: “Estudem música, mas é preciso ter um diferencial, uma qualificação a mais. ” Por que é que um consegue e o outro não? Tem alguma coisa errada, né?
Japão: Turnê de 13 concertos (2017)
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Othaniel: Como é a sua relação com o palco? Você já enfrentou problemas de ansiedade, nervosismo?
Diego: Nunca tive! Como eu sou do signo de “Leão”, parece que o palco reverbera tudo [risos]. Adoro ficar no palco. O ano passado foi muito difícil [devido à pandemia de Covid-19] porque, geralmente, eu fazia cerca de setenta concertos por ano, e, no ano passado, eu só tive dez.
Tokyo: Suntori Hall (2017).
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Tokyo, 2017.
(arquivo pessoal de Diego Caetano)
Um aspecto importante é que, no Curso de Piano, por exemplo, você tem aula, aula, aula e, depois, no final do semestre, você tem que tocar um concerto. No que é que a aula vai te preparar, em termos emocionais, para um recital? Não vai preparar! (...). E, outra coisa, quando você toca sessenta concertos, se você não for bem em um deles, é um concerto em sessenta. Agora, se você toca apenas um concerto, olha o tamanho da pressão que você coloca em um recital. Aquilo ali é caso de vida ou morte. E não deve ser assim!
Eu adoro trabalhar com alunos entre treze e quinze anos de idade, porque eles não têm ainda essa coisa na cabeça. Tudo pra eles é uma aventura, sabe? Depois é que começa essa coisa: “Ah, porque fulano falou isso” (...) Uma coisa que eu tive que aprender foi sempre ter na cabeça aquele spark, aquela “faísca” que acendeu quando você começou a estudar música. Nunca se pode deixar perder aquilo; nunca se deve deixar a primeira paixão. Por qual motivo você está estudando música? Não foi pra ninguém saber não! Aquilo é seu!
Aliás, tempos atrás, eu quis analisar o porquê de eu não ter tido problemas de ansiedade, enquanto meus amigos tinham e, por conta disso, até paravam de tocar. Isso é mais comum do que parece. Praticamente, todos os meus alunos tinham. Daí, pesquisando, fiz um trabalho sobre esse tema e até hoje faço workshops para alunos de piano, para professores de música etc.: Como se preparar para o palco? Em geral, não se trata de uma incapacidade da pessoa, mas, sim, de ela não estar sabendo os passos a seguir e deixar aquele monstro (...)
Othaniel: Como você acenou, é normal ter um dia ruim em um concerto. Por outro lado, com as atuais facilidades tecnológicas, tudo vai parar rapidinho nas redes sociais. Como você lida com isso?
Diego: Sabe, eu tive a sorte de ter sempre a cabeça muito no lugar. Tenho consciência de que um prêmio ou qualquer outra coisa boa que acontece na vida da gente é igual a uma fotografia. Uma gravação também é uma fotografia. Ou seja, o que fica é aquele momento! Isso não quer dizer que no outro dia você vai estar tocando melhor ou pior. Aquele momento é único. Também não quer dizer que você estará tocando da mesma maneira. Na minha opinião, isso é tudo muito relativo.
Por falar na questão dos vídeos, a começar pelas adversidades do ano passado, quando tudo acabou, assim, de repente - não tem concerto, não tem nada! -, eu estava colocando vídeos nas redes sociais - um por dia. Eu aprendia uma música e logo colocava lá. E não é que comecei a desenvolver esse medo de pensar o que o pessoal ia pensar! “Ah, será que está bom? Será que não está? E acabei escrevendo para uma revista pedagógica de piano, abordando esse aspecto, esse medo de ser filmado, de ser gravado.
Othaniel: Você ganhou, até o momento, 53 prêmios nacionais e internacionais. O primeiro deles foi “Orestes Farinello”, no ano 2000, em Anápolis. Há algum deles pelo qual você tem um carinho especial?
Diego: Olha, Othaniel, essa é uma outra coisa que eu sempre converso com os meus alunos. Eu nunca tive essa coisa de concurso por concurso. Eu sempre fiz os concursos com outros objetivos: primeiro, aprender o repertório para levar para o concurso; segundo, o benefício de tocar em um palco diferente e, por fim, a oportunidade de conhecer outras pessoas. O prêmio vem como consequência. Então, eu acho que todos foram importantes. Claro, um é nacional, outro é internacional e me deu a possibilidade de tocar com uma orquestra; outro me rendeu um bom prêmio em dinheiro etc. Mas, mesmo por aquele primeiro, quando eu entendi o que era concurso, eu tenho um imenso carinho, da mesma forma que por aquele no qual obtive, como honraria, tocar na Casa Beethoven.
Othaniel: Em Houston, além de suas atividades na Universidade, você ministra aulas particulares? Para qual nível de alunos: iniciantes, nível intermediário ou outros?
Diego: Muito pouco. Eu tenho um grupo seleto de alunos. Tenho alunos em Portugal, alguns no Brasil, e alguns na China. Agora está mais fácil, porque tem o Zoom. Mas, não dou aula para crianças. Na realidade, tenho uma aluna criança, uma japonesa, e acho que é muita responsabilidade trabalhar com crianças. Além disso, é um tempo que eu não tenho. Então, eu deixo pra quem tem especialização nessa área, afinal, é aí que começa tudo (...).
Othaniel: Se você não fosse pianista, o que gostaria de ser?
Diego: Diplomata. Adoro trabalhar com gente, com distintas culturas, línguas, literaturas etc. É uma coisa que, sem querer, eu estou fazendo. Por exemplo, ao realizar festivais, eu trago pessoas do mundo inteiro. Então, eu tenho que ter esse jogo de cintura pra relacionar diferentes culturas.
Othaniel: Obrigado pela entrevista!