Othaniel Alcântara Jr.
Meu entrevistado desta Coluna é o violinista, violista e regente
Alessandro Borgomanero (n. 1968), atualmente doutorando pela Unicamp. Além disso, Borgomanero é docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), lotado na Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC).
Nascido em Roma, Alessandro Borgomanero iniciou seus estudos musicais aos 4 anos de idade em Sofia, Bulgária. Em 1975, transferiu-se com a família para o Brasil, mais especificamente, para Curitiba. Na capital paranaense, frequentou a Escola de Música e Belas Artes, na classe do renomado violinista e pedagogo brasileiro Paulo Bosisio.
Alessandro Borgomanero (n. 1968)
Curitiba (1992)
Acervo: A. Borgomanero
Solista: Alessandro Borgomanero
Ano: 1985
Obra: Concerto para violino e orquestra de Max Bruch
Orquestra Sinfônica do Paraná - Maestro Osvaldo Colarusso
Acervo: A. Borgomanero
Borgomanero retornou ao Velho Continente em 1987. Morando em Berlim, ingressou na Escola Superior de Música HdK, atual UdK. Dois anos mais tarde, mudou-se para Salzburg, e, nesta cidade austríaca, teve, provavelmente, sua primeira grande experiência na área musical. Isso porque, ali, na condição de discente vinculado à prestigiada Escola Superior de Música “Mozarteum”, foi, simplesmente, um dos integrantes da classe de um dos mais importantes violinistas do século XX, o italiano Ruggiero Ricci (1918-2012). Desde 1989, sob a orientação desse “mito”, Alessandro Borgomanero recebeu, em 1992, naquela instituição, o título de Mestre.
Alessandro Borgomanero e seu professor Ruggiero Ricci (1918-2012)
Após um concerto em Salzburg (1989)
Acervo: A. Borgomanero
Nos anos seguintes, antes de chegar ao Centro-Oeste, Alessandro Borgomanero continuou se aperfeiçoando com diferentes professores. Na realidade, com mais quatro “monstros” do violino: 1)
Salvatore Accardo na
Fondazione Walter Stauffer (Cremona, 1993); 2)
Boris Belkin, na
Accademia Chigiana (Siena, 1992) e, também, como seu aluno particular em Liege, entre 1994 e 1997; 3)
Denesz Zygmundy, em Budapest; 4)
Rodolfo Bonucci, em Roma.
Alessandro Borgomanero (n. 1968)
Curitiba (1990)
Acervo: A. Borgomanero
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Othaniel Alcântara: Lembro-me de uma masterclass ministrada por você na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (EMAC/UFG), acho que em 1995. Foi sua primeira visita a Goiânia?
Alessandro Borgomanero: Minha história com Goiânia vem do período que estudava na Áustria. Me mudei pra Áustria para estudar em 1989. Lá, éramos quatro brasileiros: eu e mais três outros colegas de Goiânia. Desses três, tinha o pianista Wolney Unes. Fizemos vários concertos juntos na Europa. Em 1991, o Wolney retorna ao Brasil. Em 1993, eu vou a Goiânia, pela primeira vez, a passeio, para visitar o Wolney.
Então, em 1994, o Wolney começou a organizar concertos para nós - violino e piano. Lembro-me que nós tocamos em Ituiutaba, em Uberlândia e em outras cidades da região. E, em 1995, foi a primeira vez que eu dei esse curso [masterclass citada na pergunta]. Acho que também toquei um concerto no auditório da EMAC/UFG.
Foi nessa época que conheci você. Dentre os alunos tinha Sávio [Sperandio], antes dele começar com essa brilhante carreira como cantor. Foi assim que eu comecei a conhecer o ambiente musical de Goiânia.
Othaniel: E foi nesse ínterim que você conheceu a Juliana [esposa]?
Alessandro: Fui conhecê-la no ano seguinte, em 1996. Também em uma das minhas vindas a Goiânia pra tocar. E, em 1997 [dezembro], a gente se casou.
Pausa para um cafezinho
Cafezinho: Alessandro Borgomanero e Othaniel Alcântara.
(2023)
Othaniel: Onde você morava naquela época?
Alessandro: Eu morava em Salzburg [Áustria]. Fiquei lá entre 1989 e até um pouco antes de vir pra Goiânia. Antes disso, eu morava e estudava em Berlim, entre 1987 e 1989. Em Salzburg, obtive o título de mestre, em 1992. Continuei morando em Salzburg até praticamente 1998, até porque eu tinha várias atividades lá.
Othaniel: Em que ano você fez o concurso na Escola de Música e Artes Cênicas da UFG?
Alessandro: O concurso foi realizado em 1997. Acho que maio de 1997. Mas, eu assumi o cargo [na EMAC/UFG] em setembro de 97 e, como disse, me casei em dezembro.
Página integrante do encarte do CD "Semana Santa em Goiás".
Na foto: músicos que participaram das gravações realizadas em agosto de 1998.
Local: EMAC/UFG.
Fonte: Coluna intitulada CD Semana Santa em Goiás (postada em abril de 2020).
Othaniel: Quando você se decidiu por morar em Goiânia, quais eram suas atividades musicais/profissionais na Europa?
Alessandro: Chefe de naipe de uma orquestra de câmara chamada
Deutsche Kammerakademie em Colônia [desde 1993]; e, também, fazia o segundo violino do
Mozarteum Quarttet. Em 1997, eu pedi demissão da orquestra e continuei no quarteto, o qual fazia concertos esporádicos durante o ano. Fiz concertos com o quarteto até o ano 2000.
Alessandro Borgamanero, a cantora Jessye Norman (1945-2019)
e demais integrantes do quarteto MOZARTEUM.
Após um concerto no Festival de Verão de Salzburg (1999)
Acervo: A. Borgomanero
Othaniel: Quais as principais disciplinas que você ministra na EMAC/UFG?
Alessandro: Violino, Viola, Música de Câmara e Prática de Performance.
Othaniel: Sei que você também atuou na Pós-Graduação.
Alessandro: Isso. Acho que dois ou três módulos na especialização. Fui seu coorientador no Mestrado. No Mestrado também ajudei o violinista Luciano Pontes.
Othaniel: Você se sente realizado com a sua produção de violinistas em Goiânia?
Alessandro: Isso é um fato interessante de observar nesses mais de vinte anos trabalhando em Goiânia. O ambiente musical cresceu muito na cidade. A própria EMAC cresceu muito, tanto em quantidade quanto em qualidade de professores em diversas áreas.
Fora da Universidade merece destaque o trabalho feito com a Orquestra Jovem do Basileu França. As orquestras profissionais também se desenvolveram muito nesse período. Tudo isso foi importante para o crescimento dos violinistas da cidade.
Eu me lembro que, na época que cheguei aqui, a classe de violino da EMAC tinha pouquíssimos alunos. Foi um trabalho lento para que se formassem violinistas. A exigência, no início, era pequena para o ingresso no curso de violino da UFG. Mas, aos poucos, as coisas foram melhorando, até que hoje em dia, pode-se dizer que a EMAC tem uma boa classe de violino.
Othaniel: Como você enquadraria o nível técnico dos violinistas de Goiás em relação ao cenário nacional e, até mesmo, internacional?
Alessandro: Uma coisa importante a dizer é que na classe de violino - e isso vale para todas as universidades brasileira - o nível ou qualidade dos alunos é, constantemente, um sobe e desce. É uma realidade brasileira. Atualmente, em Goiânia, pela quantidade de estudantes de violino, já é possível ter uma exigência maior, ou seja, os alunos ingressam com uma capacidade maior na Universidade.
É verdade que, nos dias de hoje, já existe um bom trabalho de base sendo feito nas escolas de música [públicas e privadas]. Mas, continua sempre cíclico. Quero dizer que você trabalha uma geração até que esses alunos toquem bem e, na maioria das vezes, esse ciclo sempre se recomeça com uma nova leva de jovens que estão iniciando nessa carreira acadêmica. Enquanto isso, em outros grandes centros, fora do Brasil, você pode colocar o nível de exigência “x” para entrar no curso e, quem não atinge esse nível de exigência, não é aceito. Aqui, no Brasil, o aluno tem que ser muito mais trabalhado, mais moldado, do que lá fora.
Alessandro Borgomanero regendo a Orquestra Filarmônica de Goiás (2014)
Acervo: A. Borgomanero
Othaniel: Antes de se mudar para Goiânia, você havia tido alguma experiência como regente?
Alessandro: A experiência que eu tive como regência no exterior foi mais liderando a orquestra, a partir da posição de spalla. Ou seja, tocando com orquestra de câmara, sem maestro. Nesse posto, por um lado, obviamente que você tem um repertório um pouco mais limitado. E, claro, você não consegue fazer as grandes sinfonias românticas sem regente. De fato, dá para fazer todo o repertório barroco [Vivaldi, Bach etc.] e clássico [Haydn, Mozart etc.], além de algumas obras dos compositores iniciais do Romantismo, tais como Beethoven, Schubert, etc.
Por outro lado, ocupando o posto de spalla, você tem que saber sua parte, tocar sua parte e, ao mesmo tempo, ouvir os outros que estão tocando e liderar a orquestra nessa condução com o violino. Com esse tipo de experiência você molda o seu ouvido, molda o estudo da partitura, pois você tem que conhecer ao todo [todas as partes individuais]. Aqui, o ouvido é a coisa mais importante. Na minha opinião, acaba sendo mais simples reger com a batuta.
Ao liderar com o violino [da cadeira de Spalla] você tem o som do violino que você produz dentro do grupo e, ao mesmo tempo, tem a oportunidade de educar o ouvido para escutar os outros. Isto é, escutar de uma forma, não apenas em termos de sonoridade conjunta, mas também escutar o que não estiver correto etc. É um trabalho que exige muito mais do violinista-regente. Essa foi a experiência que eu tive em Salzburg, com regência. Além disso, participei de vários cursos de regência em Salzburg, muito mais como curioso.
Othaniel: E quando você começou a reger em Goiânia?
Alessandro: Em setembro ou outubro de 2003, eu fui convidado pelo Sr. José Eduardo Morais, então Diretor de Ação Cultural [AGEPEL], para assumir o cargo de Regente Titular da Orquestra de Câmara Goyazes. O
Maestro Eliseu Ferreira tinha acabado de deixar a direção daquele corpo artístico. Obviamente que eu falei com o Eliseu antes pra saber se estava tudo em ordem, pois não queria atropelar ninguém. Mas, realmente, ele havia pedido para sair. Então, assumi aquele cargo na orquestra.
Othaniel: Naquele tempo, quem era o responsável pela pasta da cultura no Estado?
Alessandro: Era o [Nasr] Chaul. Ele era o presidente da AGEPEL [Agência Goiana de Cultura]. E o Zé Eduardo era o Diretor de Ação Cultural. Naquela época, a Orquestra de Câmara Goyazes, a Orquestra de Violeiros e o Balé do Estado estavam subordinados a ele.
Solista: Alessandro Borgomanero
Obra: Concerto para violino e orquestra de Mendelssohn
Local/data: Sala Minas Gerais (2016)
Acervo: A. Borgomanero
Othaniel: Na realidade, você teve duas passagens pela Goyazes, não foi?
Alessandro: Sim! Na primeira passagem, fiquei de 2003 até o final de 2007. Depois, no final de 2011, recebi um convite do
Maestro Eliseu Ferreira, para ajudar em uma nova tentativa de reestruturação da Orquestra [mantida pelo Governo Estadual]. E, conhecendo o Eliseu - a pessoa séria que é - e a Ana Elisa [futura superintendente da Orquestra], que tinha sido minha aluna de Música de Câmara na Universidade Federal de Goiás, aceitei de bom grado o cargo de Diretor Artístico. Afinal, era uma possibilidade de juntar forças com pessoas competentes para tentar, mais uma vez, desenvolver a música sinfônica em Goiás. Enfim, na minha segunda passagem pela Orquestra de Câmara Goyazes, permaneci até o final de 2017.
Othaniel: Sim, mas você e o Maestro Eliseu revezavam na regência.
Alessandro: Isso! A gente revezava na regência. O ano que eu regi mais foi 2012. Em 2013, o Eliseu regeu um pouco mais e eu um pouco menos. Mas, no fundo, a gente revezava. Como eu sempre tive muitas atividades fora de Goiânia, e eu queria sempre preservar essas atividades, então, eu acabava fazendo um pouco menos de concertos aqui. Era, também, um pedido meu. O Eliseu e os maestros que vieram depois sempre regiam mais do que eu.
Othaniel: No final de 2011, na época da reestruturação daquele corpo artístico, quando a Goyazes voltou a ser uma Filarmônica, quem era o responsável pela pasta da cultura [na esfera Estadual], naquela ocasião?
Alessandro: O [Nasr] Chaul. Acho que já tinha mudado [o nome da agência], não era mais AGEPEL. Acho que já era Secretaria de Cultura. Era o Nasr Chaul o responsável pela pasta e a pianista Ana Elisa que era a diretora de assuntos culturais. Depois, [já como Filarmônica] ela virou superintendente da Orquestra. Acho que, antes, ela tinha um outro cargo, não me lembro qual, mas naquele ela era a responsável pela Orquestra, principalmente. Não sei se ela era responsável também por outros grupos.
Othaniel: Mesmo depois da reestruturação, o seu cargo continuou sendo de Diretor Artístico?
Alessandro: Em 2012 e 2013, ou melhor, antes do Neil [Thomson] assumir a Orquestra [2014], meu cargo era de Diretor Artístico. Quando o Neil assumiu a Orquestra, nós oferecemos a ele os dois cargos: de Diretor Artístico e de Regente Titular.
Logo em seguida, o Maestro Eliseu Ferreira pediu seu desligamento da Orquestra. Foi, então, que o Maestro Marshal [Gaioso Pinto] foi contratado para o cargo de Regente Associado. Eu continuei minhas atividades, agora na condição de Diretor Artístico “Associado”.
Assim, quando o Neil se ausentava de Goiânia, eu e o
Maestro Marshal ficávamos responsáveis, respectivamente, pelas funções de Direção Artística e de Regência. Ou seja, trabalhando com os ensaios, concertos e demais atividades do dia a dia.
Alessandro Borgomanero
Recital no Festival da Patagonia, Chile ( 2019)
Acervo: A. Borgomanero
Othaniel: Aquela cerimônia de lançamento da “nova” Orquestra Filarmônica de Goiás, em que eu estive presente, no Palácio das Esmeraldas, foi em 2012?
Alessandro: Sim! Naquele ano [2012], foi o anúncio oficial da Orquestra com o novo nome [transformada de orquestra de câmera para uma Filarmônica]. E, naquela oportunidade, de forma inédita, divulgamos a programação completa de uma orquestra goiana [sinfônica/filarmônica]. Aliás, essa prática foi repetida nos anos seguintes, sempre no Palácio das Esmeraldas. Em geral, nas cerimônias, durante a recepção dos convidados, com um coquetel, alguns políticos discursavam etc. Claro, a Orquestra tocava um pouco também. Mas, a primeira vez que nós fizemos isso foi em 2012.
Othaniel Alcântara Jr., Alessandro Borgomanero (Dir. Artístico da OFG) e seu filho Leonardo
Palácio das Esmeraldas (sede do governo do Estado de Goiás)
Lançamento oficial da Temporada 2013 da Orquestra Filarmônica de Goiás
Acervo: Othaniel Alcântara Jr.
Othaniel: Observando, de fora, tenho a impressão de que, além de músicos de alta qualidade, vocês conseguiram, também, selecionar uma excelente equipe de apoio. Com o tempo fui conhecendo melhor a turma: Jânio Matias, Jason Elias, Juliana Junqueira, Thiago Ricco, Wesley etc. Todos eles foram contratados em 2012?
Alessandro: Eles entraram em momentos distintos, mas, todos a partir de 2013.
Othaniel: Obrigado pela entrevista!
Alessandro Borgomanero
Recital em Londres (2022)
Acervo: A. Borgomanero
Cafezinho: Alessandro Borgomanero e Othaniel Alcântara
(2016)