Em 20 de março do corrente ano, iniciei uma série de três bate-papos, via aplicativo Zoom, com dois velhos amigos: o casal Heloísa Barra Jardim e Edilberto da Veiga Jardim Filho. Ela, brilhante pianista e professora (aposentada) vinculada à Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele, excelente violinista, odontólogo e, atualmente, aposentado do cargo de Professor da Faculdade de Odontologia da UFG.
É óbvio que o espaço desta Coluna não é suficiente para registrar todo o conteúdo dessas deliciosas conversas. Então, decidi, nesta primeira oportunidade, priorizar os relatos que contemplam a carreira musical da senhora Heloísa Barra Jardim, referentes aos anos 1940 e 1950, incluindo a sua nomeação para o cargo de Docente, no Conservatório de Música da UFG (atual EMAC/UFG), em 1960.
Conheci a Dona Heloísa no Instituto de Artes da Universidade Federal de Goiás, quando, a partir de 1978, comecei a ter aulas de violino com o saudoso Professor Crundwald Costa - o Professor Costinha - nos Cursos de Pré-Graduação (Cursos Preliminar, Fundamental e Técnico).
No Instituto de Artes - atual Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC/UFG) - toquei em vários recitais, muitos dos quais fui acompanhado, ao piano, pela professora Heloísa Barra. Além disso, ao longo dos anos 1980, participei de diversas atividades orquestrais, na condição de violinista, em diferentes grupos musicais formados naquela Instituição. É relevante dizer que tais conjuntos instrumentais, embora tenham sido regidos por distintos docentes, tais como: Costinha, Braz de Pina e Jorge Armando, sempre contaram com a participação da Professora Heloísa Barra, seja como pianista acompanhadora, seja como coordenadora.
Fora do ambiente escolar do Instituto de Artes, por dezenas ou centenas de vezes (anos 1980, 1990 e 2000) integrei a seção instrumental do conhecido “Madrigal Hel-Canto”, criado pela minha entrevistada. Nesse caso, tratava-se de uma equipe especializada em realizar música “ao vivo” em eventos sociais (Casamentos, formaturas, Congressos etc.) e, até mesmo, em shows como, por exemplo, de seu sobrinho, o cantor Marcelo Barra.
Dr. Edilberto da Veiga Jardim Filho e Professora Heloísa Barra Jardim (déc. de 1970)
Acervo: Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis
para os Povos do Cerrado (ICEBE)
Othaniel: Dona Heloísa, a senhora nasceu em Goiânia?
Heloisa Barra: Eu nasci em Uberaba, Minas Gerais, em 8 de julho de 1937. Tenho 83 anos.
Othaniel: Quais os nomes dos demais integrantes da família Barra?
Heloisa: Minha mãe [Francisca] nasceu na cidade de São Paulo, em 1908. No entanto, era filha de italianos. Meu pai, Alaor Barra, nasceu em 1907, em Santana do Paranaíba, Mato Grosso do Sul. No total, tiveram seis filhos: 1) Lourdes Barra Aguirre [n.1930]; 2) José Joaquim da Silva Barra [n.1931], o “Deco”, que é o pai do Marcelo Barra; 3) Linneu Barra [1936]; 4) Honorina Barra Santana de Souza [n. 1937], minha irmã gêmea, também conhecida pelo apelido “Norica*”; 5) Heloísa Barra Jardim [n.1937]; 6) Waldete Barra Parreira [1945]. Todos nascidos em Uberaba, exceto a Waldete que é goianiense.
* O apelido atribuído à Dona Honorina foi herdado da Madre Ângela, tia-avó das irmãs gêmeas da família Barra. Na realidade, Madre Ângela, antes de sua entrada para o Convento dominicano, chamava-se Honorina, com o apelido de “Norica”.
Othaniel: Quando e por qual motivo a senhora veio para Goiás?
Heloisa: Ah, eu era muito novinha! Eu cheguei em Goiânia com cinco para seis anos, em 1943. Na realidade, meu pai, Alaor Barra, veio antes com o meu irmão José Barra, que era o filho mais velho, com o objetivo de providenciar moradia, escola etc. Ficaram hospedados no Grande Hotel. Eu até estava lendo, esses dias, sobre Goiânia, e era aquela coisa: uma esperança de fazer a vida em um lugar novo que estava começando. Meu pai era farmacêutico. Aliás, eu estou me lembrando que eu não falei o nome da minha mãe: Francisca Cosentino Barra. Era Cozentino, mas erraram no registro, lá no cartório.
Edilberto: Sobre isso, Othaniel, sabemos que os avós da Heloísa eram italianos - da Calábria.
Heloisa: Por isso que eu era brava! [Risos].
Edilberto: Mas, então, logo depois do casamento, eles [avós] saíram lá do Sul da Itália e foram para a cidade de Gênova, ao Norte. Isso, no finalzinho dos anos 1800. Quer dizer, eles, recém-casados, foram para Gênova** com o objetivo de virem para o Brasil. Chegaram aqui pelo porto de Santos***. Eles tiveram apenas filhas, não tiveram nenhum varão. E todas nasceram em São Paulo. Minha sogra [Francisca], anos depois, foi para Uberaba.
** Embarcaram no dia 16/05/1897, no Navio San Gottardo. (Informações adicionais, fornecidas por escrito, pelo senhor Edilberto).
*** Chegaram em Santos no dia 02/06/1897 Corrigir a data da chegada!!!!. Ele, com 28 anos e ela com 24. (Informações adicionais, idem).
Othaniel: Retornando à pergunta anterior, por qual motivo a família Barra veio para Goiânia, em 1943?
Edilberto: O Sr. Alaor Barra, em Uberaba, era gerente de uma filial da Drogaria Alexandre. Ele veio transferido para Goiânia.
Heloísa: Aqui em Goiânia, ele começou como farmacêutico da Drogaria Alexandre. Depois é que ele se firmou e, naturalmente, se separou daquela rede de farmácias, abrindo a sua própria: Farmácia Popular. Eu acho que o papai era uma pessoa guiada por Deus, porque ele acudia muito os pobres. Dias atrás, eu fui a um consultório e o médico me disse: “Olha, a minha tia só tratava com o seu pai.” [risos], “Ela não ia em médico nenhum, só nele!”. Papai era aquele farmacêutico experiente. Depois que ele morreu, muita gente telefonava perguntando a receita do remédio que o papai passava (...).
Othaniel: Dona Heloísa, aqui em Goiânia, em quais instituições a senhora estudou?
Heloisa: Inicialmente, o papai colocou a gente em um bom colégio. Era um colégio de freiras, o Santo Agostinho [Rua 55, Centro]. Mas era muito caro para o meu pai. Acho que nós estudamos lá cerca de um ano. À época, o papai alugou uma casa boa, bonita, mas, por fim, não conseguiu mantê-la. Então, nós viemos aqui para a Rua 24 [Centro]. Já era uma coisa mais simples, porém uma casa grande, afinal, eram cinco filhos. Minha irmã mais nova nasceria depois, em 1945. Assim, passei a frequentar um colégio do governo. Era um grupo escolar, não me lembro o nome dele. Ficava perto do nosso antigo Conservatório de Música. Depois, fui para o Liceu e, mais tarde, me transferi para o Instituto de Educação. Ou seja, não pagamos mais escola.
Heloísa e Norica (1944)
Em frente a antiga Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora (Catedral)
Othaniel: E em relação ao estudo do piano, quem foi a primeira professora da senhora?
Heloisa: Foi a Dona Hebe do Couto Alvarenga, tia da Dona Belkiss.
Othaniel: Como surgiu a vontade de estudar música?
Heloísa: Olha, a Dona Hebe era nossa vizinha. Eu e “Norica”, novinhas, 8 anos, víamos a Dona Hebe passar todos os dias na porta da nossa casa. E nós comentávamos: essa mulher é professora de piano. Um certo dia, nós mesmas resolvemos ir até a casa dela e perguntar se ela daria aulas pra gente. Na nossa família existiam músicos, mas não de música clássica. Lá em casa, meu irmão, o “Deco” [José, pai do cantor Marcelo Barra], tinha um conjunto musical, o “Democratas do Samba”, que era uma delícia!
Como eu estava dizendo, nós começamos a estudar piano com a Dona Hebe. A Norica acabou passando para o violino e, finalmente, para o canto. No meu caso, após três anos, a Dona Hebe me disse: “Heloísa, não tenho mais nada para te ensinar! ” Em seguida, por uns tempos, eu fiquei sem professor. Melhor dizendo, passava por um, por outro, e pensava: não é isso que eu quero... etc. Nesse ínterim, tive aulas com a Dona Mercedes Mendonça e, também, com a Dona
Amélia Brandão [
Tia Amélia].
Mas, é interessante, Othaniel, a música estava dentro de mim! Eu só enxergava música! Eu não tinha amigas, eu não tinha ninguém. Meu amigo era o piano. Quando eu estava chorando por algum problema, eu ia para o piano: lágrimas iam descendo e eu tocando.
Dona Hebe do Couto Alvarenga e suas alunas (1948/49)
(Arquivo pessoal de Heloísa Barra Jardim)
Othaniel: A senhora conheceu o Joaquim Édison de Camargo?
Heloisa: Eu toquei com o Joaquim Édison desde quando comecei a fazer o Ginásio, no Liceu. Não me lembro bem como foi o início, mas é possível que a minha professora de piano - Dona Hebe -, tenha falado com ele sobre mim. Naquele tempo, eu era muito novinha, uns 12 ou 13 anos de idade. Eu passei a fazer o acompanhamento, ao piano, do Coro Orfeônico. O Coro Orfeônico dele era uma coisa sensacional! O Liceu inteirinho participava. O povo adorava aquilo.
Othaniel: Ao que parece, naquele período, havia muitas atividades musicais no Liceu.
Heloisa: Sim. Até programa de rádio, da Rádio Clube, chegou a ir até o Liceu para gravar programas com a gente. Eram tipo programas de calouros, apresentados pelo jornalista Cunha Júnior. Naquelas ocasiões, os alunos cantavam, o Joaquim Édison tocava violino, acompanhando. Honorina cantava, e eu sempre fazia os acompanhamentos ao piano. Eu até recebi um prêmio, de “Aluna mais popular do Liceu”.
Eu era impossível no piano [risos]. Eu tocava de tudo! Eu só enxergava piano na minha vida, tanto que eu não fui uma boa aluna nas outras disciplinas; eu passava. Mas, o resto: piano! Como eu não tinha piano, até meu pai poder comprar, eu estudava, assim, na mesa [gestos], no colo; decorava as coisas, sabe?
Joaquim Édison de Camargo (1900-1966)
Acervo: ICEBE
Joaquim Édison de Camargo (setembro de 1944)
Provável local: Instituto de Educação de Goiás
Foto: Berto
Acervo: ICEBE
Othaniel: Por quanto tempo a senhora permaneceu tocando com o professor Joaquim Édison?
Heloisa: É importante dizer que eu e minha irmã “Norica” devemos a ele o fato de nós termos sido professoras universitárias. Por quê? Quando acabou o curso ginasial, eu achei que já não tinha mais nada para estudar. Antigamente, a mulher era criada para ser dona de casa. Contudo, eu me lembro que nós estávamos em casa, descalças, brincando, quando o professor Joaquim Édison telefonou: “Vocês não vão fazer o Curso Normal?” Ele me queria tocando. E a Norica cantava... tinha uma voz interessante, parecia gente grande! Ela era quem puxava o coro. De fato, nós duas éramos importantes pra ele. A esta altura, o professor Joaquim Édison era o Diretor do Instituto de Educação de Goiás. Então, nós fizemos o teste de admissão. Eu toquei piano com ele durante os três anos em que estive lá. Quer dizer, eu toquei, pelo menos, 8 anos com o Joaquim Édison.
Honorina e Heloísa no Instituto de Educação (1957)
(Arquivo pessoal de Heloísa Barra Jardim)
Othaniel: Quando a senhora conheceu a Dona Belkiss?
Heloísa: De vez em quando, a Dona Belkiss ia ouvir os recitais de alunos da Dona Hebe, minha professora. Certa vez, em um desses recitais, depois que eu terminei de tocar, a Dona Belkiss andou me dando uns “pitos” [risos], pois ela achava que eu estava trocando alguns dedilhados etc. Aquilo me deixou chateada. Acabou que eu parei de ter aulas com a Dona Hebe. Como disse anteriormente, fiquei sem orientação fixa por algum tempo.
Nos anos seguintes, comecei a tocar por essa Goiânia inteira, em tudo que era possível. Acompanhei calouros na Rádio Brasil Central [apresentação de Jeová Bailão]. Toquei muito também na Rádio Clube. Participei de vários recitais pela cidade e em cidades do interior. Eu acompanhava tudo! Tinha disso não, eu tocava tudo, acompanhava [ao piano] tudo que tinha!
Todo final de ano, nas férias, havia uma apresentação chamada “Teatro de Brotinhos”. Nós reuníamos a moçada bonita de Goiânia, que dançava, que cantava, que tinha alguma arte para mostrar. Nós enchíamos o Teatro Goiânia. E eu estava sempre tocando lá. Foi em uma dessas oportunidades [final de 1949] que o Professor Costinha me “descobriu”.
Othaniel: Como aconteceu a primeira conversa com o Professor Costinha?
Heloísa: Primeiro, ele falou comigo perguntando se eu gostaria de tocar na “Orquestra”. Na sequência, me levou até a Dona Belkiss. Ela me ouviu [ao piano] e disse: “Tudo bem! Só que você está ‘socando’ um pouco [gestos e risos]”. Ora, eu havia ficado alguns anos praticamente sem orientação.
Othaniel: Quando aconteceu esse episódio?
Edilberto: A Heloísa começou a tocar na “Orquestra” do Professor Costinha no comecinho de 1950. Em junho de 1950 [com 12 para 13 anos], teve a primeira apresentação com ela tocando.
Othaniel: Vocês [Heloísa e Edilberto] se conheceram nessa época?
Edilberto: Sim. O primeiro contato foi no dia em que o professor Costinha fez o convite para a Heloísa tocar na “Orquestra” que ele coordenava. Àquela altura, eu era um dos violinistas daquele grupo. Vimos que, naquele dia, no Teatro Goiânia, a Heloísa tocava, corria daqui e dali (...). Durante a apresentação, o professor Costinha percebeu a desenvoltura da Heloísa. Ela fazia de tudo, tocava tudo de ouvido etc. Daí, o Costinha falou pra mim: “Betinho, estou achando que essa menina pode tocar na Orquestra!”
Nós tínhamos um problema crônico com o posto de pianista na “Orquestra”. Você sabe, as orquestras iniciais tinham como base o piano. Se não me engano, até então, nessa função, o nosso grupo havia contado com a Adélia e com a filha do Sr. Antônio da flauta, a Teresinha. Teve uma época em que a Dona Edméia Camargo tocou um pouquinho com a gente. Bom, teve a Dona Dorinha. Ela tocou com a gente por um período (...).
Heloísa: Eu era mocinha! Enquanto o povo trocava de roupa [entre as atrações artísticas], eu ia para o piano e tocava Tico-Tico no Fubá, Pintinho no Terreiro, Brejeiro etc.
Três integrantes da Orquestra do Prof. Costinha (1950)
Heloísa Barra (pianista), Rosa Meneses e Geny Jonas (violinistas)
(Arquivo do casal Edilberto e Heloísa)
Othaniel: Onde eram realizados os ensaios da “Orquestra” do Costinha?
Edilberto: Os ensaios, nessa época [1950], eram realizados aos domingos, lá em casa. Toda a mobília da sala era retirada e, então, as cadeiras eram espalhadas pelo local. A Heloísa conta que, quando ela começou, ela não lia muito [partitura].
Heloísa: Nossa! Que música que era aquela?
Edilberto: Lenda do Beijo.
Heloísa: Lenda do Beijo tinha um pedaço bem difícil! Eu falei: professor, eu não dou conta de ler isso aqui não. Vou levar pra casa e vou estudar. Pra falar a verdade, eu quase não lia [partitura]. Eu lia muito pouco, porque o “ouvidinho” aqui funcionava: a professora tocava e eu ia atrás, sabe? Eu falo isso pra todo mundo: ”Gente, conjunto de música é o que ensina a gente a ler, porque você não pode voltar, você não pode arrumar, consertar, não tem jeito! Passou... passou, né?” Eu aprendi, de uma maneira oportuna, o que todos os componentes do conjunto deveriam tocar; se um músico não tocava a parte dele, sobretudo um trecho importante, eu tocava por ele. Foi uma coisa que a vida me deu de presente.
Edilberto: A Heloísa esqueceu de falar que ela tocava harmônio para o coral da Igreja.
Heloísa: Eu já tocava com o coro, era só harmônio e o coral. Depois, o professor Costinha fez um grupo bonito na Igreja Coração de Maria. Após a construção do novo templo da Igreja Coração de Maria, foi que passamos a contar com um órgão elétrico [Hammond]. Então, eu passei a ser a primeira organista. Tocava nas missas etc.
Othaniel: Quando teve início a história de vocês? [Risos]
Edilberto: Foi nos ensaios da “Orquestra”. Eu tinha uma “quedinha” por ela, mas não tinha coragem de chegar [risos]. Foi indo... foi indo... [risos]. Demorou! Mas, foi a música que nos uniu!
Heloísa: Meu pai era bravo! Não tinha namorado. Naquele tempo, por exemplo, nós não podíamos ir à segunda sessão no cinema.
Edilberto: Mas, apesar disso tudo, eu não saía da casa dela [risos]. Qualquer coisinha eu ia lá: “Ah, e essa música aqui (...)”.
Teve uma época em que nós tocamos na Rádio Brasil Central. O programa se chamava: “Serenata”, organizado por Geraldo Amaral e professor Costinha. Era às quartas-feiras, às nove e meia da noite. Eu saía da casa do Professor Costinha, depois da minha aula de violino e, com ele, subíamos - de bicicleta -, é claro, até à casa dela e ensaiávamos a música que seria tocada no programa daquele dia. Só depois, seguíamos para a Rádio Brasil Central. As partituras, em geral, era o Geraldo Amaral quem escrevia pra gente.
Othaniel: É! O Geraldo Amaral escrevia, arranjava, muito bem. Eu toquei, por alguns anos, em eventos com ele. Era um músico interessante, não era?
Edilberto: Demais! Demais!
Heloísa: Muito! Othaniel, eu toquei com ele no Jóquei Clube, em seu conjunto de Jazz. Ele pediu para o meu pai. Os dois eram maçons. Eu tocava todo domingo no “jantar dançante” do Jóquei Clube. É, mas na hora que eu tocava o meu Tico-Tico no Fubá, não ficava uma pessoa na mesa [risos]. O Geraldo Amaral adorava! Mas, sempre me vigiando, porque, às vezes, ia algum moço lá dar em cima: “Olha, eu queria dançar com ela!”. E o Geraldo: “Não!” [Sinal negativo com o dedo indicador de uma das mãos]. “De jeito nenhum!”. Ele me vigiava bem [risos].
Othaniel: O Seu Betinho acabou não me respondendo quando começou o namoro.
Edilberto: Ah, foi mais tarde [pensativo]. Foi uns anos depois, não me lembro! Foi mais uns três ou quatro anos enrolando ali [risos].
Heloísa: Em 1958, nós nos casamos. Nós ficamos enrolando.
Edilberto: Eu era quem ficava enrolando, né? [Risos]. Sem coragem de chegar [risos].
Heloísa: O Betinho foi meu único namorado.
Othaniel: A cerimônia religiosa do casamento foi realizada na Igreja Coração de Maria?
Heloísa: Não, foi no Ateneu Dom Bosco. A propósito, eu toquei vinte anos com o Padre Zezinho, no Ateneu.
Othaniel: E quem organizou a parte musical do casamento de vocês?
Heloísa: Foi o Jean Douliez.
Edilberto: Ele compôs a Marcha Nupcial pra nós. Ele tocou lá em cima, lá no coro [galeria]. Foi ele, o Dimitry [violinista], o professor Costinha (...). Aquela turma de instrumentistas da Orquestra, os mais chegados, e a “Norica” [cantora, irmã gêmea da Dona Heloísa].
Belkiss Spenzieri Carneiro de Mendonça (1928-2005)
Jean François Douliez (1903-1987)
Fonte: facebook.com (@BelkissFilme · Cinema)
Othaniel: Quantos filhos?
Edilberto: Três filhos. A Ângela, a mais velha, cantora: Ângela Barra da Veiga Jardim; o Roberto Barra da Veiga Jardim e o Eduardo Barra da Veiga Jardim.
Heloísa: Eu ainda integrava a “Orquestra” do Professor Costinha, quando eles criaram o Conservatório [Goiano de Música]. De imediato, a Dona Belkiss me convidou pra ir estudar lá. Isso foi possível graças ao professor Joaquim Édison. Se não fosse por ele, nós [Heloísa e Honorina] não teríamos o diploma do Curso “Normal” e não poderíamos entrar para a Universidade.
Olha, eu fui fazer todas as peças de Bach que eu já tinha que ter tocado, isso para entrar na primeira turma. Eu fui da primeira turma do Conservatório. Foi quando comecei a aprender com a Dona Belkiss, fazendo um curso rápido com ela, me preparando para entrar no Conservatório. Então, fui estudar as obras. Não me esqueço! A Dona Belkiss falava assim pra mim: “Respira!” E eu [fez o gesto de respirar, com o nariz, risos, muitos risos]. Eu nunca tinha ouvido falar isso na vida! [Risos]. “Respira, Heloísa!” E eu: [Heloísa repete o gesto, risos]. Meu Deus! ... Até eu entender que era na melodia [risos]. Durante o Curso de Piano no Conservatório, estudei sempre com ela.
Mas, engraçado, eu nasci para acompanhar! Durante o Curso de Piano no Conservatório, eu fazia aqueles exercícios, aquelas coisas, fazia tudo! É verdade que eu estudava pouco aquele programa, mas eles gostavam do que eu fazia [risos]. Eu queria tocar, acompanhar [música de conjunto].
Othaniel: Quando a senhora começou a trabalhar como professora no Conservatório?
Heloísa: Desde que nós fomos alunas no Conservatório, eu e algumas colegas já ajudávamos. Nós pegávamos os “abacaxis” [risos]. Como disse antes, eu fiz parte da primeira turma do Conservatório. Depois, quando o Conservatório foi incorporado à Universidade [UFG], imediatamente nós fomos contratadas: eu, Maria Ludovico [de Almeida e Silva], Wanda [Fleury Amorim], Mirza [Perotto] e a Licinha [Alice Godinho Batista]. A data da minha nomeação é a mesma da criação da Universidade: 14 de dezembro de 1960.
As gêmeas: Honorina Barra Santana de Souza (cantora) e
Heloísa Barra Jardim (pianista)
Foto: 2015
(Arquivo pessoal de Heloísa Barra Jardim)
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Em 2016, as irmãs Barra escreveram o artigo “Infância e adolescência de duas pequenas artistas - Honorina e Heloísa”, publicado na
Revista da Aflag (Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás), número 7, publicada em 2017. Vale dizer que as autoras Heloísa Barra Jardim e Honorina Barra Santana de Souza ocupam, respectivamente, as cadeiras 17 e 18 daquela Entidade.
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