Samuel Straioto
Goiânia - Os números históricos de reeleição em Goiás revelam que a disputa por renovação de mandato é mais incerta do que parece. Nos últimos três pleitos, cerca de três em cada dez deputados estaduais que tentaram a reeleição fracassaram, enquanto na esfera federal quase metade dos postulantes não conseguiu se reeleger. Os dados ganham relevância diante das articulações para a janela partidária de março de 2026, quando parlamentares precisarão definir por qual legenda disputarão as eleições.
A análise dos pleitos de 2014, 2018 e 2022 mostra que a taxa de insucesso é consistente e preocupante para quem busca a recondução ao cargo. Mesmo com estrutura consolidada, experiência parlamentar e bases eleitorais organizadas, não há garantia de retorno à Assembleia Legislativa ou à Câmara dos Deputados. O risco se amplifica em 2026, quando o número de candidatos à reeleição na Alego atinge nível recorde.
Conexão com a janela partidária
A importância desses números históricos se conecta diretamente com as negociações relatadas na reportagem sobre a janela partidária de 2026. A corrida por legendas que ofereçam estrutura e capacidade de formar nominatas viáveis não é mero exercício político: é questão de sobrevivência eleitoral.
A janela partidária, que ocorre 30 dias antes do término do prazo de filiação (seis meses antes das eleições), funciona como momento estratégico onde deputados podem trocar de partido sem perder o mandato. Essa mobilidade se torna crucial quando os dados históricos mostram que ficar na legenda errada pode significar o fim da carreira parlamentar.
Como revelado anteriormente, 38 dos 41 deputados estaduais da atual legislatura trabalham pela recondução em 2026, índice de 92,6% que supera com folga as tentativas de 2022 (73%) e 2018 (68%). Se mantido o padrão histórico, entre 10 e 13 dos atuais deputados que tentarem a reeleição não conseguirão se reeleger — daí a ansiedade relatada nos bastidores da Assembleia Legislativa.
Renovação persistente
Na Assembleia Legislativa de Goiás, o padrão de renovação próxima ou superior a 50% se mantém consistente. Em 2018, dos 28 parlamentares que buscaram recondução, 21 tiveram sucesso (75%), enquanto 20 vagas foram ocupadas por novatos. O pleito seguinte, em 2022, apresentou números ligeiramente inferiores: dos 30 que disputaram, 20 foram reeleitos (66,7%), e 21 estreantes chegaram à Casa.
A queda na taxa de sucesso entre 2018 e 2022, mesmo com aumento no número de candidatos à reeleição, evidencia que a competição se tornou mais acirrada. O fenômeno reflete tanto a emergência de novos nomes competitivos quanto a dificuldade de parlamentares em manter bases eleitorais mobilizadas ao longo de quatro anos.
Em 2014, 20 parlamentares foram reeleitos, alguns permanecendo ativos na política estadual por mais de uma década. A longevidade de determinados nomes demonstra que, uma vez consolidados, políticos conseguem sustentar presença prolongada no Legislativo, mas chegam a essa posição superando sucessivas disputas acirradas.
Desafio maior na esfera federal
Na Câmara dos Deputados, o cenário é ainda mais implacável para quem busca a recondução. A análise dos três últimos pleitos mostra que a renovação na bancada federal goiana supera consistentemente 47%, chegando a atingir 58% em 2018, evidenciando que a volatilidade é maior do que na esfera estadual.
Em 2014, dos 17 eleitos, apenas nove já ocupavam mandato, o que significa que oito vagas foram preenchidas por novatos, renovação próxima a 47%. Em 2018, a oxigenação foi ainda maior: dos candidatos vitoriosos, dez não ocupavam vaga no Congresso Nacional, representando renovação de mais de 58%, enquanto apenas sete titulares conseguiram se reeleger.
O pleito de 2022 manteve o padrão desafiador. Dos 17 deputados federais de Goiás, apenas 13 disputaram a recondução — quatro ficaram fora por diferentes motivos: um concorreu ao governo, dois disputaram o Senado e um optou por não concorrer. Dos 13 que tentaram, nove conseguiram se reeleger (69,2%), enquanto quatro perderam o mandato e oito novatos chegaram à Câmara.
O dado mais revelador de 2022: os dois deputados mais votados eram estreantes, evidenciando que experiência parlamentar e reconhecimento público não garantem desempenho eleitoral superior. A alta rotatividade na bancada federal goiana reflete tanto a volatilidade do eleitorado quanto a dificuldade de deputados federais em manter conexão próxima com as bases locais, dada a natureza do mandato nacional.
Estrutura partidária
A análise histórica demonstra que a escolha da legenda e a composição da chapa têm peso determinante. Em 2018, o PSDB elegeu a maior bancada estadual com cinco deputados, mesmo derrotado nas disputas majoritárias. O resultado evidenciou que estrutura consolidada e base organizada superam conjunturas adversas nas proporcionais.
A distribuição de cadeiras varia significativamente a cada pleito, reflexo das articulações pré-eleitorais e migrações partidárias. Legendas que montam chapas equilibradas, com nomes competitivos distribuídos regionalmente, maximizam o aproveitamento através do quociente eleitoral e sobras — exatamente o cálculo que mobiliza as negociações atuais.
Matemática eleitoral implacável
O cientista político Felipe Andrade avalia que o alto índice de candidatos à reeleição em 2026 intensifica a disputa interna. “Quando mais de 90% dos deputados buscam a recondução, a matemática eleitoral se torna implacável. Historicamente, cerca de 30% dos que tentam não conseguem. Em 2026, isso pode significar que 11 ou 12 deputados atuais ficarão de fora, número expressivo que explica a ansiedade nas articulações partidárias”, analisa.
A pressão matemática se agrava porque apenas três parlamentares pretendem migrar para disputa federal — Lucas Calil (MDB), Ricardo Quirino (Republicanos) e Bruno Peixoto (União Brasil). Tradicionalmente, essas migrações abrem vagas na Alego e reduzem a competição interna, mas em 2026 esse alívio será mínimo.
Cada chapa a deputado estadual pode lançar até 42 nomes, mas esse limite se aplica também às federações, que devem decidir internamente a composição das listas. A aritmética força escolhas: deputados com votação intermediária enfrentam dilema entre permanecer em chapas "pesadas" com risco de disputa acirrada ou migrar para legendas menores em busca de protagonismo.
Janela como válvula de escape
A experiência de 2022 demonstra a importância estratégica da janela partidária. Naquele ano, 28 dos 41 deputados estaduais mudaram de legenda no período permitido. Dos 30 que disputaram a reeleição, 20 foram reconduzidos, mostrando que a migração tática, quando bem calculada, não prejudica as chances eleitorais.
"A janela partidária funciona como válvula de escape para equilibrar forças. Deputados calculam onde terão mais espaço e melhores condições de competir. Os dados históricos mostram que essa migração, quando bem feita, pode ser decisiva entre a reeleição e o fracasso", pondera Felipe Andrade.
Diante desse cenário, surgem alternativas como o Democratas 35, que aposta em chapas com votação intermediária. O deputado Gugu Nader, vice-presidente estadual da sigla, declarou que a legenda vai “convidar os mais competitivos, que tiveram até 25 mil votos na eleição passada”, projetando eleger pelo menos quatro deputados estaduais.
Incertezas e estratégias
Dentro da base governista, a expectativa é de que MDB, União Brasil e PP concentrem a maioria das adesões, conforme relatado anteriormente. A percepção compartilhada entre parlamentares é de que a saturação de “nomes fortes” em poucas chapas pode deslocar expoentes para legendas menores.
O presidente da Alego, Bruno Peixoto, sintetiza a cautela do momento. “Vou conversar com o governador Ronaldo Caiado. Então, só no próximo ano, vou decidir se permaneço no União Brasil ou mudo de partido”, declarou, evidenciando que até lideranças consolidadas avaliam cuidadosamente suas opções.
Na esfera federal, a tendência é de que a maioria dos 17 deputados busque a reeleição, repetindo o padrão anterior. Se confirmada a taxa histórica de sucesso próxima a 70%, cerca de quatro ou cinco titulares não conseguirão renovar o mandato.
Eleitorado renova
O histórico goiano mostra padrão interessante: enquanto o eleitorado demonstra disposição para renovar cerca de metade da representação a cada eleição, os parlamentares aumentam progressivamente a proporção de candidatos à reeleição. Em 2018, 68% tentaram se reeleger; em 2022, 73%; e em 2026, a projeção atinge 92,6%.
Esse descompasso entre o desejo de permanência dos parlamentares e a renovação efetivada pelo eleitorado explica por que as articulações para a janela partidária se tornaram tão intensas. Deputados percebem que a competição será mais acirrada e buscam posicionamento estratégico nas legendas.
A reconfiguração de federações e o surgimento de novas siglas adicionam camadas de complexidade. Partidos maiores avaliam se devem priorizar cacifes eleitorais consolidados ou abrir espaço para novos aliados que ampliem presença territorial. A recente rearticulação partidária nacional cria incertezas adicionais sobre quais legendas terão melhores condições de competir.
Perspectivas
Os próximos meses até a janela partidária de março serão decisivos para definir o tabuleiro político de 2026. Para o cientista político Felipe Andrade, a conjunção de fatores torna o cenário particularmente desafiador. “Temos um número recorde de candidatos à reeleição, poucas migrações para disputa federal, reconfiguração partidária e dados históricos que mostram renovação consistente. A aritmética eleitoral sugere que a competição será mais acirrada do que nos pleitos anteriores, exigindo estratégias refinadas e alianças bem construídas”, avalia.
Andrade alerta que parlamentares que subestimarem os números históricos ou demorarem nas definições partidárias podem se ver sem espaço nas chapas competitivas. “Não basta ser deputado em exercício para garantir a reeleição. É preciso estar na legenda certa, na chapa certa, com a estratégia certa. Os números das últimas três eleições deixam claro: entre 25% e 34% dos que tentam a reeleição fracassam. Em 2026, com a matemática ainda mais apertada, esse percentual pode ser ainda maior”, pondera.
O cientista político conclui que a janela partidária de março será momento crítico onde se definirão não apenas filiações, mas trajetórias políticas. "É o momento em que dezenas de parlamentares farão escolhas que determinarão se permanecem ou não na vida pública. Os dados históricos são um alerta: quem errar nessa decisão pode estar encerrando a carreira política", finaliza.