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Sobre o Colunista
Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com
Amélia Brandão Nery (1897-1983) - ou simplesmente Tia Amélia - instalou-se em Goiânia no início dos anos 1950 (Pina Filho, 2002, p. 147; Borges, 1999, p. 83). Não é possível, todavia, após o exame das publicações1 encontradas sobre o tema, precisar uma data específica para tal acontecimento de considerável importância.
Tia Amélia, Fernanda Montenegro e Pixinguinha na TV Tupi (sd).
Acervo do Arquivo Nacional (RJ) - Fundo Correio da Manhã.
A esse respeito, José Renato Assis, um dos jornalistas que cobriram a notícia do falecimento de Amélia Brandão em Goiânia, no ano de 1983, ao mencionar a presença da pianista em uma festa no Jóquei Clube de Goiás, em 1954, acrescenta: “um ano antes Amélia morava em São Paulo [Marília]”.
No artigo escrito por Assis existe uma das versões encontradas nas fontes documentais no tocante ao surgimento do nome artístico adotado pela pianeira2 pernambucana. Para o autor da matéria intitulada O adeus a Tia Amélia (Diário da Manhã, 20/10/1983), a ideia teria sido da cantora carioca Carmélia Alves (1923-2012), exatamente naquela festa “realizada no Jóquei Clube de Goiás, em 1954”.
Sobre esse assunto, a jornalista Raquel Ulhôa, por sua vez, autora do artigo Tia Amélia fecha o piano (Diário da Manhã, 07/06/1981), secunda as seguintes palavras da pianista:
Eu tocava clássico, depois me dediquei à música folclórica do Brasil. Depois mudei para composições minhas (...). Eu era Amélia Brandão e, quando deixei a música clássica, que era uma coisa mais séria, quis mudar de nome para ficar mais popular e escolhi “Tia Amélia”. Porque minha sobrinha tinha casado, mudado para o Rio Grande do Norte e eu sentia muita falta dela. Ela dizia com muita graça: “tia Amélia, tia Amélia”.
Tia Amélia em 1981
Jornal Diário da Manhã (Goiânia)
Artigo: Tia Amélia fecha o piano - Raquel Ulhôa Fonte: ICEBE (Goiânia)
A pernambucana Tia Amélia fez sua primeira apresentação no Sudeste, em 1930. Diferentes veículos da imprensaescrita, tanto de Pernambuco quanto do Rio de Janeiro, assinalaram a passagem de Amélia Brandão pela Cidade Maravilhosa, nos meses de julho e agosto de 1930. No blog de Marcelo Bonavides - “Estrelas que nunca se apagam” - há pelo menos duas postagens (links nas Referências) dedicadas às atividades musicais desenvolvidas por Tia Amélia na capital Fluminense. São apresentações em saraus, recitais em teatros e também em programas de rádio (Rádio Mayrink Veiga, Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e Rádio Clube do Brasil).
Nas palavras* de Tia Amélia: "Em três dias [em 1930] consegui ficar famosa (...). Fui chamada de Coqueluche Carioca. Fui para Recife, voltei logo para o Rio".
*Depoimento originalmente concedido à jornalista Miriam Camargo (Jornal Jornal Última Hora3 do Rio de Janeiro, 1977) e reproduzido por Brasigóis Felício em seu artigo E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho, publicado no Caderno 2 do Jornal O Popular (20/10/1983) de Goiânia.
Enfim, em textos anteriores, deixei registrado mais alguns dados biográficos de Amélia:
A partir de 1954, mesmo mantendo sua residência em Goiânia, Tia Amélia voltou a trabalhar no Rio de Janeiro. Lá, nos anos 1950 e 1960 apresentou, semanalmente, programas de televisão (TVs Rio e Tupi). Nas décadas subsequentes teve certo sucesso até a sua morte, em 1983, na capital do Estado de Goiás.
Tia Amélia (áudio) - Acervo da compositora e professora Neusa França (1920-2016)
Áudio digitalizado pelo Instituto Piano Brasileiro (IPB) https://www.youtube.com/watch?v=pEH7jPo0Qvo
Tia Amélia interpretando 38 de suas composições em um sarau na
residência de Neusa França e Oswaldo França no Rio de Janeiro,
"Em data desconhecida [c. 1959], dando uma verdadeira aula de virtuosismo e gingado!"
Aliás, outra versão acerca da origem do epíteto “Tia Amélia”, contada pela pesquisadora Semira Adler Vainsencher da Fundação Joaquim Nabuco, tem relação com a retomada da carreira artística de Amélia Brandão, em 1954. Neste caso, Semira afirma que, à época (1954), a pianeira já era conhecida como Tia Amélia, “apelido que lhe deu o cantor e compositor Roberto Carlos (...)”.
Dos anos vividos por Amélia Brandão antes de sua chegada a Goiânia, destaco uma revelação feita pela própria pianeira. Trata-se de uma passagem ocorrida logo após sua apresentação em um concerto realizado no Theatro Lyrico do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, o pianista e compositor Ernesto Nazareth (1863-1934) teria dito: “Quando eu morrer, você continue no choro. Não deixe o choro morrer! ” (Rosa, 2014, p. 198).
Por algum tempo foi o que aconteceu. Mas, embora desfrutasse de uma carreira artística em ascensão no Sudeste brasileiro, Tia Amélia repentinamente interrompeu suas atividades musicais na antiga capital do Brasil, com o firme propósito de acompanhar a jornada profissional de um de seus três filhos4, a senhora Silene Andrade Nery.
Melhor detalhando, provavelmente no ano de 1939, Silene contraiu matrimônio com José Pereira de Andrade. Logo em seguida, por opção ou por determinação da companhia aérea VASP5 - empresa representada pelo mais novo casal -, toda a família fixou residência na cidade de Marília (SP). Por fim, como aludido, os três vieram para Goiânia, cidade construída na década de 1930 e que, a partir de sua inauguração (1937) passou a ostentar o título de capital do Estado de Goiás.
Como disse, não é possível especificar uma data para o evento supracitado. Os autores consultados sugerem algum momento do início dos anos 1950. Segundo Ulhôa (1981), a própria pianeira teria dito que não se lembrava quando, apenas que foi “uns dois anos antes de aparecer a televisão”.
Particularmente sobre a filha de Tia Amélia, o historiador Bento Fleury, em suas publicações no facebook informa que a senhora Silene Andrade, como sua mãe, era natural de Jaboatão, Estado do Pernambuco. Veio para Goiânia após o seu casamento com o empresário José Pereira de Andrade. Foi educadora e diretora da primeira creche de Goiânia, a Tenda do Caminho, da Irradiação Espírita Cristã. Também fundou a primeira Escola de Balé da Capital do Estado de Goiás. Ademais, nos anos 1960, foi vereadora (UDN/PSP) durante as gestões de Hélio de Britto e de Iris Rezende à frente da Prefeitura de Goiânia. Mais tarde, em 1969, com a morte do marido, assumiu a direção da agência VASP em Goiás.
Tia Amélia, Silene Andrade e o genro - Goiânia
Jornal O Popular (20/10/1983)
Artigo: E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho Fonte: ICEBE (Goiânia)
As atividades artísticas de Tia Amélia em Goiânia
Sobre a chegada de Tia Amélia a Goiânia, o pesquisador Braz Wilson Pompeu de Pina Filho (1946-1994), em Memória Musical de Goiânia (publicado post mortem), relata:
Assim que se transferiu para Goiânia, [Dona Amélia Brandão] montou uma escola em sua casa (Rua 24, esquina com a 4 [Centro]), com mais de quatro pianos, onde estudavam alunos de grande talento, com os quais apresentou um recital. Paralelamente ao ensino de piano, havia o ensino de ballet, com sala própria, onde Silene Andrade, filha de D. Amélia, criou a primeira escola dessa arte. Desse trabalho surgiu a bailarina goiana Norman Lilian, entre outras. (Pina Filho, 2002, p. 147).
Nessa trilha, a investigadora Maria Helena Jayme Borges, em seu livro A música e o piano na sociedade goiana: 1805-1972 e, fundamentada em uma entrevista realizada com a professora Maria Augusta Calado, acrescenta que
No início da década de 50, Tia Amélia montou em sua residência, em Goiânia, uma pequena escola de piano e ballet, juntamente com sua filha Silene, responsável pelas aulas de dança. Possuíam três pianos de armário e outro 1/4 de cauda. Este ficava na sala principal, onde aconteciam as apresentações dos alunos. (Borges, 1999, p. 83).
Em seu livro Como é bom poder tocar um instrumento: pianeiros na cena urbana brasileira, o musicólogo Robervaldo Linhares Rosa (2014, p. 198), a partir das lembranças da cantora Maria Augusta Calado, menciona as apresentações que os alunos de piano da Tia Amélia faziam na Rádio Clube e na Rádio Brasil Central.
Alguns dos pupilos de Amélia Brandão em Goiânia
Como era de se esperar, o distanciamento dos grandes centros culturais do Brasil interrompeu a sequência da promissora carreira nacional de Tia Amélia. Em Goiânia, por alguns anos, limitou-se a ministrar aulas particulares de piano e, por vezes, promover recitais na jovem cidade planejada do Centro-Oeste brasileiro.
O musicólogo Rosa (2014, p. 198) lembra que alguns dos alunos de Tia Amélia em Goiânia construíram uma carreira de destaque no cenário goiano e brasileiro como, por exemplo, Heloísa Barra Jardim, Maria Augusta Calado e Estercio Marquez Cunha.
Recentemente, entre os anos de 2020 e 2021, entrevistei três amigos, por meio do aplicativo Zoom: as pianistas Heloísa Barra Jardim e Glacy Antunes de Oliveira, além do compositor Estercio Marquez Cunha, todos professores aposentados da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG. Na oportunidade, perguntei aos três artistas como ocorreram as suas primeiras orientações de piano.
Dona Heloísa citou, pela ordem: Dona Hebe do Couto Alvarenga (tia da Dona Belkiss), Dona Mercedes Mendonça e Dona Amélia Brandão (Tia Amélia). A pianista Glacy Antunes enunciou a seguinte sequência: Tia Amélia, Hebe do Couto Alvarenga e Belkiss Spenzièri.
Estercio Marquez Cunha, por sua vez, relatou que Tia Amélia foi a sua primeira professora, isso quando ele tinha aproximadamente nove anos de idade. E, mais adiante, com 14 ou 15 anos, teve aulas, por uns dois anos, com a pianista Nize de Freitas - Dona Nizinha (filha do primeiro prefeito de Goiânia, Sr. Venerando de Freitas Borges). A propósito, o compositor, durante a supradita entrevista, recordou uma curiosa passagem ocorrida em sua adolescência, envolvendo os nomes de Tia Amélia e de sua filha Silene de Andrade.
Estercio: Naquela época, ela [Tia Amélia] era ligada ao Palácio do Governo e sempre era chamada para colaborar nas festas oferecidas pelo Dr. Jerônimo Coimbra Bueno [1910-1996] que ocupava, então, o cargo de Governador do Estado de Goiás. Era uma elite formal ali. Também as alunas de balé da sua filha, Dona Silene Andrade, sempre dançavam nessas ocasiões. Então, numa dessas festas, a Dona Silene Andrade juntou a meninada para dançar um minueto lá. Bom, precisava de meninas e meninos. Daí juntaram lá o “Zezo” e o Ademar [netos da Tia Amélia], eu [Estercio] e não me lembro quem mais, pra dançar o minueto com as meninas. Bom, passou. À certa altura, uma outra pessoa, que foi professora de balé de uma prima minha, precisou de um menino pra dançar. Aí a minha prima disse: meu primo já dançou (...). E lá fui eu dançar. Eu gostava de dançar. Nessa época, a discriminação foi terrível! Eu sofria até mesmo dentro da família. Para meus parentes, foi um horror me ver dançando (...).
Estercio Marquez Cunha e Ana Maria Pacheco
(Anos 1950)
Acervo: Família Cunha
Em um depoimento ao pesquisador Robervaldo Rosa, a cantora lírica Maria Augusta Calado revelou que, nos anos 1950, alguns dos alunos de Tia Amélia faziam, regularmente, apresentações musicais em duas emissoras de rádio de Goiânia: Rádio Clube e Rádio Brasil Central.
Um detalhe assaz interessante no que concerne à didática empregada por Tia Amélia em Goiânia foi revelado por Maria Helena Borges. Para a pianista e pesquisadora, a professora Amélia Brandão atendia seus alunos de forma individualizada. Contudo, terminada uma determinada aula,
este aluno, ao invés de voltar imediatamente para casa, continuava na escola, estudando sozinho, sob a vigilância dos ouvidos da Tia Amélia, enquanto esta passava orientações ao segundo, depois ao terceiro aluno, retornando posteriormente ao primeiro. (Borges, 1999, p. 83).
Ainda quanto aos aspectos pedagógicos que orientaram as atividades musicais de Amélia Brandão em Goiânia, Robervaldo Linhares Rosa esclarece que
Se o carisma era uma característica da pianeira Tia Amélia, o rigor, aliado ao perfeccionismo, eram, talvez, o que mais se fazia perceber nas tantas vezes nervosa professora Amélia Brandão. Todos os seus ex-alunos são unânimes em acentuar esse aspecto. (Rosa, 2014, p. 201).
Além disso, embora à certa altura de sua carreira ela tenha se dedicado ao samba, ao choro etc., Tia Amélia só “ensinava os clássicos, chegando a proibir que seus pupilos tocassem músicas populares”, com “horas infinitas de exercícios de Czerny e Cramer” (Heloísa Barra Jardim apud Rosa, 2014, p. 201). Neste sentido, um testemunho dispensado por Regina Andrade Mascarenhas, (neta de Tia Amélia) a Robervaldo Rosa é revelador:
Certa vez, Regina tirou uma música de ouvido e sua avó ficou muito brava, exigindo que ela dissesse que nunca mais faria aquilo. Interessante que Tia Amélia repetia exatamente o que vivera em sua infância: tal como seu pai a proibia de tocar música popular, ela agia da mesma forma com seus alunos. (Rosa, 2014, p. 201).
Mesmo assim, ao que parece, Tia Amélia inspirou artistas na terra do pequi. Rosa (ibidem) destaca o caso de Heloísa Barra Jardim - pianista nascida em Uberaba, em 1937 e radicada em Goiânia desde 1943. Para o autor, a Dona Heloísa, além de ostentar o “domínio do repertório camerístico da música clássico-romântica”, também “trilhou as sendas pianeiras, nas quais as composições de Ernesto Nazareth, Zequinha de Abreu e Tia Amélia, para citar apenas alguns, têm lugar de destaque”.
Em entrevista a mim concedida, o casal Heloísa Barra Jardim e Edilberto da Veiga Jardim Filho confirmou a empolgação da então adolescente pianista goiana com o repertório pianeiro, aquele cultivado por Tia Amélia:
Heloísa Barra:(...) comecei a tocar por essa Goiânia inteira, em tudo que era possível. Acompanhei calouros na Rádio Brasil Central [apresentação de Jeová Bailão]. Toquei muito também na Rádio Clube. Participei de vários recitais pela cidade e em cidades do interior. Eu acompanhava tudo! Tinha disso não, eu tocava tudo, acompanhava [ao piano] tudo que tinha! Todo final de ano, nas férias, havia uma apresentação chamada “Teatro de Brotinhos”. Nós reuníamos a moçada bonita de Goiânia, que dançava, que cantava, que tinha alguma arte para mostrar. Nós enchíamos o Teatro Goiânia. E eu estava sempre tocando lá. Foi em uma dessas oportunidades [final de 1949] que o Professor Costinha me “descobriu”.
O Dr. Edilberto da Veiga Jardim também recordou, com carinho, o dia em que o professor Crundwald Costa (Costinha) convidou a jovem Heloísa para tocar em sua “orquestra”:
Edilberto: Àquela altura, eu era um dos violinistas daquele grupo. Vimos que, naquele dia [final de 1949], no Teatro Goiânia a Heloísa tocava, corria daqui e dali (...). Durante a apresentação, o professor Costinha percebeu a desenvoltura da Heloísa. Ela fazia de tudo, tocava tudo de ouvido etc. Daí, o Costinha falou pra mim: “Betinho, estou achando que essa menina pode tocar na Orquestra!” (...) A Heloísa começou a tocar na “Orquestra” do Professor Costinha no comecinho de 1950. Em junho de 1950 [com 12 para 13 anos], teve a primeira apresentação com ela tocando.
Três integrantes da Orquestra do Prof. Costinha (1950)
Heloísa Barra (pianista), Rosa Meneses e Geny Jonas (violinistas) (Arquivo do casal Edilberto e Heloísa)
Ao longo da entrevista, Dona Heloísa Barra, por duas vezes, falou com bastante entusiasmo sobre o seu repertório preferido naquele tempo. No primeiro caso, ao se reportar ao concerto do Teatro Goiânia, em 1949, disse:
Heloísa: Eu era mocinha! Enquanto o povo trocava de roupa [entre as atrações artísticas], eu ia para o piano e tocava Tico-Tico no Fubá, Pintinho no Terreiro, Brejeiro etc.
Depois, ao lembrar de sua experiência com o saxofonista e arranjador Geraldo Amaral, pronunciou:
Heloísa: Othaniel, eu toquei com ele no Jóquei Clube, em seu conjunto de Jazz. Ele pediu para o meu pai. Os dois eram maçons. Eu tocava todo domingo no “jantar dançante” do Jóquei Clube. É, mas na hora que eu tocava o meu Tico-Tico no Fubá, não ficava uma pessoa na mesa [risos].
Tia Amélia por Belkiss Spenzièri
Em outubro de 1983, por ocasião da morte de Amélia Brandão, o Jornal Diário da Manhã deixou grafado no artigo O adeus a Tia Amélia, assinado pelo jornalista José Renato Assis algumas palavras da conhecida pianista goiana Belkiss Spenzièri:
Desde que a Amélia chegou a Goiânia, há mais de 30 anos, tenho convivido com ela e sua música. Durante todo esse tempo minha opinião se manteve imutável: encontrei nela uma pessoa cheia de alegria de viver, com uma exuberante alma de artista, cheia de sensibilidade. Seu brado entusiasmado - “Bravo, Belkiss” - me incentivava quando eu vencia com garbo trechos laboriosos de alguma peça de dificuldade transcendente.
O Brasil está acordando para o conhecimento da música. Já se vê sendo valorizadas as obras de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Misael Domingues e outros ignorados pelo público. Recebendo seu merecido prêmio, embora tardiamente, podemos ver as obras de Anacleto Medeiros, Mário Penaforte e Azevedo Lemos. Assim, a música de Amélia Brandão, restrita à sua própria interpretação e de um pequeno grupo de executantes, irá, como ocorrem a outros de seu tempo, ser levada ao reconhecimento de todos e admirada como lídima representante da música popular brasileira.
Disco A Bênção, Tia Amélia (Tia Amélia) Seu último disco lançado foi pelo selo Marcus Pereira, o LP “A Benção Tia Amélia” quando já tinha 83 anos.
(Hércules Gomes - http://www.herculesgomes.com.br/tia-amelia/)
Fonte: Perfil Música Boa (Youtube)
01. CHORO SERENATA
02. MOSQUITA - 2:24
03. CHORO PARA MINHA FILHA - 8:15
04. PARABÉNS PARA VOCÊ, ZÉ - 11:46
05. MAESTRISSÍMO - 15.09
06. BILHETE PARA ARNALDO REBELLO - 16:51
07. CONVERSANDO COM MINHA IRMÃ - 22:23
08. MEDALHA COM G - 27:14
09. CHORO PARA FERNANDA - 30:45
10. MARIA ALICE - 33:10
11. PENAZZIANDO - 36:30
12. PARA MEUS NETOS, BISNETOS E TETRANETA - 39:40
As novas pesquisas
João Perassolo, em seu texto Saiba quem foi Tia Amélia,sucessora de Chiquinha Gonzaga na história do piano, chama a atenção para o fato de que, atualmente, a vida e obra de Amélia Brandão passam por um grande processo de resgate. Nesse cenário, o articulista cita a pesquisa de Jeanne de Castroque visa, justamente, escrever em livro uma biografia daquela que é “considerada a sucessora de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, os grandes nomes do piano nacional da virada do século 19 para o 20”. Ainda para Perassolo, o projeto da biógrafa Jeanne de Castro teve como ponto de partida o lançamento do disco Tia Amélia para sempre lançado em 2020, pelo pianista e pesquisador Hercules Gomes. Nesse registro fonográfico, o pianista interpreta 14 composições de Amélia Brandão.
1.Até bem pouco tempo, o meu conhecimento acerca da biografia da pianista Amélia Brandão era bastante limitado, constituído apenas de algumas poucas informações disponibilizadas nas publicações dos pesquisadores Braz Wilson Pompeu de Pina Filho (1946-1994) e de Maria Helena Jayme Borges. Porém, em 2020, passei algumas manhãs em contato com parte do Acervo do Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado (ICEBE), entidade presidida pelo historiador Dr. Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado. Ao observar o material específico sobre música daquela instituição, fiquei deveras interessado em alguns recortes de jornais (mais detalhes nas Referências, ao final da Coluna), cujas matérias registravam vários momentos importantes da história de vida da “pianeira” Amélia Brandão. Por fim, adquiri o livro do meu colega de trabalho da EMAC/UFG, professor Robervaldo Linhares Rosa.
2. No trecho inicial da descrição do vocábulo “Pianeiro”, oferecido pela Enciclopédia da Música Brasileira; popular, erudita e folclórica, publicada pela Publifolha (2000, p. 625), temos: “Pianista popular que tinha por profissão tocar em cinemas e nas festas familiares - bailes, casamentos (...) - do começo do século [XX]. Outras vezes, era, ele próprio, um compositor conhecido e estimado nos meios musicais (...)”. Complementa o Prof. Robervaldo Linhares Rosa (UFG), em seu livro Como é bom poder tocar um instrumento - pianeiros na cena urbana brasileira (2014) “ (...) casas de música e de instrumentos (executavam as peças escolhidas pelos clientes, auxiliando-os na compra das partituras), restaurantes, bares, confeitarias, academias e ou escolas de danças de salão, e, posteriormente, já no início do século XX, salas de cinema (tanto as de espera, como as de exibição do filme mudo, para o qual eles interpretavam a trilha sonora ao piano), enfim, uma ampla gama de espaços urbanos dedicados ao entretenimento (...)”. Claro, para um bom entendimento do termo “Pianeiro”, seria necessário viajar pelos contextos histórico, social e cultural, inicialmente, da sociedade carioca, ainda nos anos “Novecentos”. Nesse sentido, Rosa (2014) salienta que “a intensificação da vida social e urbana ocorrida durante toda a segunda metade do século XIX”, somada “à formação de uma incipiente música popular feita para o entretenimento dos urbanistas, estabeleceu-se um nicho no campo musical”. Por outro lado, ”a demanda por um profissional que executasse ao piano música popular voltada ao lazer, não podia ser atendida pelas moças ‘bem-nascidas’ [e prendadas] da sociedade - que, necessariamente, tocavam o instrumento, mas quase exclusivamente no espaço doméstico - nem pelos pianistas de repertório clássico-romântico. Tal conjuntura contribuiu, de forma decisiva, para que surgisse um novo profissional: o pianeiro”.
3. O Jornal Última Hora foi criado pelo jornalista Samuel Wainer. Começou a circular, inicialmente no Rio de Janeiro, no dia 12/06/1951. Encerrou suas atividades em 1991. Mais detalhes no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Jornal Última Hora:http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ica-atom/index.php/jornal-ultima-hora-2;isad
4.Em um dos recortes de jornais encontrados no ICEBE, sob o título Aos 90 anos, morre Tia Amélia (19/10/1983) -, seu autor (não identificado) deixa grafado: “Tia Amélia teve três filhos, dos quais Dirceu e Clóvis da Câmara Neri já faleceram”. Relembrando, o nome de sua filha é Silene Andrade. Pelo menos um de seus filhos faleceu enquanto Tia Amélia residia em Goiânia. Esse triste acontecimento foi relatado pelo jornalista Brasigóis Felício, em 1983. O escritor, embora não forneça maiores detalhes, expõe a lembrança da pianeira:
Estava triste, moída por dentro, e recebi um telefonema de São Paulo para participar do programa Meu Tipo Inesquecível. Minha filha não me deixou recusar e vim, e só lá conhecer quem tinha me convidado, na hora. Era Agnaldo Rayol que um dia me ouviu tocar e não se esqueceu. Toquei e ele cantou uma música antiga, foi lindo. Então disse que naquele dia eu queria viver, tenho amor à vida. O melhor dela é viver, se não, não é nada. (Amélia Brandão apud Brasigóis Felício, 1983).
5. VASP (Viação Aérea São Paulo) fundada em 1933, foi uma das maiores companhias aéreas brasileiras. Teve sua falência decretada na primeira década dos anos 2000.
Da parte inicial do artigo de jornal alcunhado por Tia Amélia, lição de vida (c.1977, autor não identificado6), foi retirada a fotografia abaixo, em cuja legenda se lê: “Amélia Brandão em 1915, quando se casou”.
Amélia Brandão (1915) - Recorte de O Popular (c. 1977) - Acervo: ICEBE
6. Não foi possível identificar o nome do autor de Tia Amélia, lição de vida. É importante mencionar, entretanto, que seu artigo foi elaborado a partir de um depoimento concedido por Dona Silene Andrade (filha de Amélia Brandão). Ademais, o texto explora partes de uma entrevista concedida pela própria Tia Amélia, em data anterior (também não mencionada) à repórter Miriam Camargo do Jornal Última Hora. Uma frase encontrada no início da matéria: “No último mês de março, segundo contou ao jornal Última Hora, Tia Amélia realizou uma apresentação (...)”. No entanto, é pertinente mencionar que Brasigóis Felício, em seu artigo E os dedos de Tia Amélia não tocam mais a alma do chorinho (O Popular, 20/10/1983) traz a seguinte revelação: “Em 1977, quando concedeu esta entrevista ao jornal Última Hora, Tia Amélia disse: “Eu não estou pensando em parar não”. Deduz-se, assim, que o artigo Tia Amélia, lição de vida foi veiculado no ano de 1977.
Vainsencher, Semira Adler. (s. d.). Amélia Brandão [Web postagem]. Recuperado de http://www.caestamosnos.org/pesquisas_Semira/pesquisa_semira_adler_Amelia_Brandao.htm
Pianista Hércules Gomes recupera a obra de Tia Amélia: Músicas da compositora pernambucana estão no recém-lançado álbum “Tia Amélia para Sempre”. (2020, Fevereiro 07). Jornal da USP. Recuperado de https://jornal.usp.br/cultura/pianista-hercules-gomes-recupera-a-obra-de-tia-amelia/
Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com